'6 Poets at the Six Gallery'
# CAPA # SIX AROUND 60 # SEIS POETAS # READINGS # UM POEMA # UM CONVITE
'Six Gallery reading' - uma noite mágica!
_[Poeta Xandu_]
A Beat Generation
surge como um vulcão de escritores,
algo quente, ácido, sujo,
a revelar em verso e prosa o lado sombrio
do american way of life dos anos 50.
Neste fazer literário,
há um desafio aos cânones,
liberdade para ser fiel aos próprios sentidos,
quando experiências formais e temas pessoais
somam-se a coragem de pequenas editoras,
o que denominamos "literatura marginal".
Vencido o choque, aquela geração
hoje é admirada por sua atitude rebelde,
prestigiada por mestres literatos,
que a inscrevem numa linha do tempo
tida como a "invenção do jovem",
categoria da qual presume-se fortes
anseios por liberdade, em oposição
às tradições, ao Estado,
rumo ao lazer e ao escape do cotidiano.
Para além da ruptura com regras sociais,
este ensaio busca recuperar
significados possíveis para
uma noite mágica de poesia:
afinal, o que este reading na Six Gallery
poderia contribuir para nossa atual
geração de poetas?
Sigamos pela intuição, fontes simples,
consultas na Poetry Foundation e
Wikipedia, sem maiores ambições que
um bate-papo.
Difícil dar rótulos aos escritores Beat,
talvez mereçam um destaque amplo,
que tomo emprestado do modernismo no Brasil.
Como Drummond, ao tratar da redação que lhe valeu
a expulsão da escola,
quando sentiu a "face queimar"
_e mais nada importa tanto a um poeta.
Para os Beats a vida cotidiana era Arte;
a ortografia perdia-se para a língua falada;
as questões pessoais eram também um situar-se
entre amigos, na cidade, no país, no mundo.
Frequentando bares e cabarés,
mergulhados na vida boêmia,
próximos da decadência moral,
mas em qualquer tempo esses são momentos
também para o encontro,
para o digest intelectual,
temperar saberes e vivências.
Rótulos. Por trazer à superfície
o universo outsider
da sociedade, a Beat Generation
ocupou nesfasto lugar no imaginário social,
onde viceja a moral puritana
da velha USA.
Para além dos clichês,
essa literatura do "escape"
avançou pela contra-cultura,
por dois movimentos distintos:
partiram em direção ao entorno,
grupos de afinidades, amigos a dividir linguagem,
aventuras, ser
independente das tendências de mercado.
E num movimento interno,
buscava-se expandir a mente,
através das drogas mais banais,
ou algo mais profundo, transcendental,
próprio das religiões antigas.
Entre loucuras e utopias possíveis,
a Beat Generation
descortinou mentiras sociais,
expôs a opressão dos centros urbanos
que alimenta os manicômios e prisões.
Bandeiras de ontem aos nossos dias,
tocavam-lhes questões raciais, ambientais,
opunham-se às guerras, alargaram relações afetivas,
as formas de amor, fosse entre amigos,
homossexualismo, ou trocas no poliamor.
Diante dos velhos tabus,
melhor vê-los como um grupo de jovens
a repensar fronteiras culturais,
internas aos EUA, chegando aos rituais indígenas,
ao xamanismo; e pra fora, vivenciar outros países -
difundiram o budismo japonês, por exemplo.
Em transbordo poético,
_a Beat Generation como parte brilhante do melting-pot made in USA dos anos 50-60.
Nesse clima de transgressão, as primeiras obras da Beat Generation seriam lançadas em sequência, por pequenos livreiros marginais: Allen Ginsberg com Uivo, ou Howl (1956), Jack Kerouac com On the Road (1957), William Burroughs com The Naked Lunch (1959). Foram livros que causaram escândalo na sociedade, críticas no meio acadêmico, censuras por parte de editores, agressões através da imprensa, processos na justiça.
Editoras alternativas cumpriram papel fundamental. William Burroughs trouxe das sombras toda sua drogadição e libertinagem; só encontrou publicação para o seu The Naked Lunch pela Olympia Press, editora de ficção erótica sediada na França, país menos intolerante. Jack Kerouac romanceou suas viagens de carona, bebedeiras e aventuras amorosas; as malandragens do amigo Neal Cassady elevado ao status de herói. Só foi publicado graças ao esforço de Malcolm Cowley, antigo jornalista de esquerda, habituado a fazer revisões. Após desdobrar-se sobre os originais de Kerouac, desafiou o conselho editorial da Viking Press, até obter aprovação: surgiu o livro 'On the Road' [*], marco da Beat Generation.
*Acerca das viagens de Kerouac, elas ocorreram no fim dos anos 40, e On the Road foi escrito em menos de um mês, datilografados em rolos de papel contínuo (The Scroll-1951), uma parte tornou-se o livro Visions of Cody (McGraw-Hill-1972), baseado em relatos gravados, enquanto "On the Road" foi revisado a luz dos originais, sem cortes, portanto; relançado em 2007 com título 'On the Road: The Original Scroll', por circunstância dos 50 anos da primeira publicação.
Em sua livraria, Lawrence Ferlinghetti chegou a reservar uma estante para livros censurados (banned books). De seu interesse por escritores marginais nasceu a livraria e editora City Lights (1955), que lançou Howl como livro de bolso, primeiro livro de poemas de Allen Ginsberg. Seguido ao lançamento, veio a reprovação na opinião pública e a interdição na justiça; seu livro gerou debates no campo das artes e nos direitos de livre expressão; até o entendimento de que uma peça artística não deve ser censurada por aspectos morais. No entanto, esse mesmo embate entre moral e arte perdura até hoje.
Apesar dos destaques negativos na mídia,
os Beats cativaram gerações de libertários,
mesmo se longe do atual "politicamente correto".
Em Nova York houve um start
acadêmico na Universidade de Columbia,
momento para ler William Blake, D.H.Lawrence, Walt Whitman,
os clássicos, e contemporâneos da época,
esses chamados escritores da "geração perdida".
Havia o underworld frequentado por Burroughs;
ou como ocorreu a Herbert Huncke,
ver-se como um negro "fodido" (beat and down), a vagar sem-teto pelas ruas. De dentro do manicômio, Carl Salomon absorveu dadaismo, a poesia de Artaud, daí a lançar-se em insólitas leituras com a boca cheia de comida.
Viagens importavam aos Beats:
ir pelo interior dos EUA até o México
davam-lhes sentidos regionais,
longe das metrópoles...
Embarcar em navios mercantes,
poder ir a França de
Rimbaud, Artaud, Baudelaire;
experimentar a vida na Espanha, no norte da África;
ir ao Uruguai - de encontro ao experimentalismo do Conde de Lautréamont.
Mas na vida noturna do Greenwich Village,
codensavam-se as experiências Beat
diante das batidas (Beat) de Jazz.
Beat agora como santidade, ou beatitude,
pela narrativa purificadora de Kerouac
a observar o brilho
na face dos "vagabundos iluminados".
Da costa leste para oeste, pesou o olhar atento de Neal Cassady, aquele mitologizado por Kerouac, já casado com a poeta Carolyn Cassady, cujo incentivo levou a Allen Ginsberg a migrar para a San Francisco.
Poetas experientes,
como William Carlos Williams e Robert Duncan,
forjaram redes de trocas entre gerações
e lugares distantes,
como agitadores culturais.
Especialmente, estreitaram-se os laços
entre o Black Mountain College,
da Carolina do Norte, e a Universidade da Califórnia. Nesse entrelace: professores e alunos, tribos poéticas e pequenas editoras de todo o país convergiram para a San Francisco Renassaince - um movimento de vanguarda literária.
Ginsberg logo mergulhou no movimento artístico local,
quando conheceu Peter Orlovsky,
seu amante e de grande incentivo
para seu poema Uivo - escrito em 1954.
Existiam os saraus na casa de Kenneth Rexroth, e Michael McClure já desenvolvia técnicas de expressão corporal para sua fala poética. Poetas e ativistas da produção cultural circulavam pelas pequenas galerias de arte, e compunham a elite intelectual, desde a Universidade da Califórnia-Berkeley, ou a Estadual de San Francisco, ou o San Francisco Art Institute, local também aberto para leituras poéticas.
Expoentes da San Francisco Renassaince, Philip Lamantia, Michael McClure, Gary Snyder e Philip Whalen já tinham poemas publicados em revistas universitárias. Tornaram-se parte da
Beat Generation
neste mesmo período. Lamantia, chegou a trabalhar diretamente com surrealistas, em Nova York, em publicações de André Breton e Max Ernst. De volta a cidade natal, iniciou um período de maior fertilidade poética por influência de Ginsberg. Vindo do Oregon, ao norte da costa oeste, Snyder se especializou em filosofias orientais, introduzindo o zen-budismo no seio dos Beats, - The Dharma Bums, livro de Kerouac, descreve em detalhes esse novo momento. Philip Whalen, também budista, entrou como poeta convidado de Snyder na leitura da Six Gallery.
Michael McClure, como Ginsberg, também teve sua
estreia em 1956, com o livro Passage.
Seu lançamento se deu pela The Jargon Society,
as edições caseiras de Jonathan Williams,
que estudava língua inglesa em Berkeley. Ligada às pequenas tribos poéticas, a Jargon era sediada na Carolina do Norte, e do sofá de casa, Williams publicou vários Beats, como Charles Olson, Amiri Baraka, Diane di Prima, Lawrence Ferlinghetti, Robert Creeley, Robert Duncan, Denise Levertov etc.. Por fim: publicou a primeira biografia de Kerouac.
Para construir o "6 Poets at the Six Gallery", Wally Hedrick, como dono da galeria, convidou Ginsberg para comandar essa primeira experiência. Foi a alavanca para novas leituras, lançando os poetas Beat por diversos ambientes intelectuais e artísticos. Inclusive no jazz: música e poesia com Lamantia, Jack Kerouac, Howard Hart, David Antrim, David Amram.
Em 7 de outubro de 1955, cerca de cem pessoas testemunharam o fenômeno Beat na Galeria Six, contando muitos dos poetas
já citados acima e especialmente Lawrence Ferlinghetti, da livraria City Lights.
Nossos heróis:
Kenneth Rexroth ficou como mestre de cerimônias, Philip Lamantia, que leu poemas de John Hoffman, seu amigo desaparecido num vulcão do México; seguido de Philip Whalen, Michael McClure, Allen Ginsberg, Gary Snyder. O sexto poeta seria Jack Keraouac, que preferiu não ler. Do reading na Six gallery, Snyder e McClure continuam vivos e ativos neste 2015, o que acrescenta um brilho extra à esta revisão.
Fechamos assim um breve histórico de um grupo de jovens escritores no
momento em que se projetam para o mundo da literatura, e cujo ímpeto de liberdade tanto nos comove:
a Beat Generation como uma literatura de vivências fronteiriças, mágicas, múltiplas.
[Texto: Poeta Xandu]
*Acerca das viagens de Kerouac, elas ocorreram no fim dos anos 40, e On the Road foi escrito em menos de um mês, datilografados em rolos de papel contínuo (The Scroll-1951), uma parte tornou-se o livro Visions of Cody (McGraw-Hill-1972), baseado em relatos gravados, enquanto "On the Road" foi revisado a luz dos originais, sem cortes, portanto; relançado em 2007 com título 'On the Road: The Original Scroll', por circunstância dos 50 anos da primeira publicação.
'6 Poets at the Six Gallery' - Nossa releitura ocorreu em 8 de outubro de 2015, foram poemas coletados do livro A Nova Visão de Blake aos Beats, de Michael Mcclure, com tradução de Daniel Bueno, Luiza Leite & Sergio Cohn, lançado pela Azougue Editoral [2005]; e os poemas de John Hoffman, que foram livremente traduzidos por Marcelo Nietzsche, a partir do livro Tau & Journey to the End - Philip Lamantia, John Hoffman, lançado pela City Lights Pocket Poets Series [2008].
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